O Chef Claude Troisgros faz apresentação no Ceasa Gourmet

O Chef francês Claude Troisgros esteve em Campinas, para uma aula-show, contando um pouco de sua história e transformando ingredientes simples em três pratos espetaculares.

Falar sobre Claude Troisgros é falar de um personagem carismático, centrado, bem humorado. A leveza com que conduz a ansiedade do público pela apresentação e produção dos pratos é realmente espetacular. Claude deu início a aula-show convidando crianças para estarem com ele no palco-cozinha. E, como se estivesse na sala de casa, conversando com amigos, contou a sua história familiar e profissional ao longo de 35 minutos. Pelo fato de presenciar uma narrativa da sua própria história, prefiro discorrer pelo seu conto.

“Campinas está me acolhendo de braços abertos, falo isso porque neste mês de maio, eu já vim a Campinas quatro vezes – não sei o que está acontecendo nesta cidade – mas é incrível! Em 40 anos de Brasil (já vim aqui umas 30 ou 40 vezes), mas estou sentindo que ultimamente existe uma demanda para o reconhecimento da gastronomia muito forte na sua cidade (Campinas). Então, eu agradeço por isso. 

A receita que escolhi, representa um pouco a minha história (vou contar rapidamente para vocês) porque elas representam a minha mãe – que era italiana – a minha avó materna italiana e avó paterna francesa, as três cozinhavam muito bem. É basicamente as receitas que aprendi com elas. Eu transformei a receita muito simples, o Crepaze de agrião com gorgonzola – trata-se de uma mousse de agrião enrolado numa panqueca crocante e o molho à base queijo gorgonzola. O segundo prato é o peixe que pode ser a tilápia, com o molho à base de manteiga, alho, coentro ou salsa, castanha de caju, uva-passa preta, pimenta-dedo-de-moça. O terceiro prato é uma sobremesa, uma telha superfina crocante de amêndoas recheada com creme de chantilly e molho de chocolate”.

Claude Troisgros faz apresentação no 3º Ceasa Gourmet

A história do Chef

“Eu nasci numa família de cozinheiros. Sou a terceira geração da família Troisgros – quer dizer três gordos (risos) – tudo a ver com cozinha! Sou Cláudio Três Gordos! (risos) – traduzindo em português. A família Troisgros começou em 1930, com meu avô João Batista e avó Maria, os dois abriram um restaurante perto de Lion. Uma revolução nos anos 30 – meu avô tinha ideias avançadas para os anos 30 e 40 – então, ele mudou a cozinha francesa. Um belo dia, ele acordou e falou para minha avó (que era cozinheira): ‘A partir de hoje eu não quero mais que você sirva as suas receitas dentro da bandeja. Eu quero que você sirva a sua comida dentro do prato, quero que você seja responsável da sua arte – da cozinha até a mesa do cliente’. A gente não percebe isso hoje, porque 40% dos restaurantes servem a comida ‘empratada’. Naquela época foi uma mudança meio radical e, abriu as portas que a gente tem hoje de serviços empratados. Foi um dos primeiros restaurantes na Europa (não vou dizer no mundo porque não conheço muito bem os países orientais) que serviu a comida ‘empratada’. Ele gostava de tomar vinho tinto com peixe, enquanto todos tomavam vinho branco com peixe. Ele tinha ideias novas.

Seus dois filhos, meu pai e meu tio João viraram cozinheiros nos anos 60 (eu tinha 4 anos. Nasci em 1956), eles revolucionaram a cozinha francesa com uma ‘pegada’ mais gastronômica chamada ‘Nouvelle Cuisine Française’. Eles não quiseram respeitar a tradição, ao contrário, valorizaram a sabedoria, a estrutura da cozinha francesa, principalmente o que a gente faz hoje,  valorizavam  o pequeno produtor. Valorizavam o produto da região. Valorizava-se as pessoas que estão trabalhando duramente todos os dias para fornecer pra gente o melhor produto da terra. Pra poder colocar isso nas nossas receitas. Muita gente não sabe a dificuldade que essas pessoas têm – os pequenos produtores. Isso o que meu pai falou: ‘Valorizar os produtos da terra’. E mudou radicalmente o caminho da culinária francesa e mundial. A nova cozinha francesa foi um momento decisivo e eu e meus irmãos convivemos com isso desde pequenininhos. 

Comecei a trabalhar e trabalhei em vários tipos de restaurantes voltei pra casa familiar em 1978 (com 23 anos) para continuar a tradição da família Troisgros. Um belo dia o meu pai entra na cozinha e falau: ‘Alguém quer ir para o Brasil?’ Eu falei: Eu. E fui. 

Não conhecia o Brasil. Como havia acontecido a Copa do Mundo, em 1970, e tinha sido um marco para o mundo e o povo brasileiro, eu conhecia obviamente a Amazônia e o Rio de Janeiro. E aqui cheguei, para abrir o restaurante no Rio de Janeiro, no hotel chamado Rio Palace Hotel, em Copacabana. Naquela época a cozinha francesa no Brasil era muito tímida. Eu não fazia uma cozinha francesa tradicional, misturava a francesa e a italiana. O Brasil tinha uma cozinha brasileira tradicional muito forte mas, não tinha uma cozinha moderna francesa. Eu falei para um chef francês (de Paris) famoso naquela época: Chef, para fazer uma cozinha moderna francesa aqui no Brasil é muito difícil. Não temos o produto adequado para representar essa culinária (cozinha). Só que temos produtos que a gente desconhece, maracujá, goiaba, maxixe, quiabo, batata baroa, jabuticaba, aipim, tucupi – enfim, eu tinha produtos extraordinários na minha frente que desconhecia e não sabia trabalhar. O chef (de Paris) me respondeu: ‘Claude, faça do melhor jeito, do jeito que você bem entender’. 

Então, eu comecei incorporar os produtos brasileiros dentro de uma cozinha de técnica francesa. Eu usava produtos frescos, da região, do pequeno produtor, era isso o que eu sabia fazer. Fui muito criticado no início. Nenhum brasileiro vinha no meu restaurante francês pra comer jiló e maxixe. Mas, bati na tecla. Hoje, eu posso dizer que fui um dos primeiros chefs a mudar um pouco, modernizar, valorizar o produto do Brasil. Uma cozinha que podemos chamar de cozinha franco-brasileira, uma cozinha moderna-brasileira. E hoje, 40 anos depois, essa cozinha está em plena forma. A cozinha moderna está crescendo cada vez mais com jovens chefs competentes que mostram o que o Brasil tem”. 

O ajudante Batista

“Vou falar do Batista antes de cozinhar. Me apaixonei pelo Brasil e por uma brasileira. Liguei para meu pai e disse: pai, eu vou ficar aqui. Ele me respondeu: ‘Então se vira!’ Passado algum tempo eu reconheço que fiz muito bem (ter ficado no Brasil), tive oportunidade de me virar e fiz o que estou fazendo, até hoje. A minha paixão é cozinhar. Mostrar a minha própria personalidade. 

O meu primeiro restaurante foi no Leblon chamava Roanne – o nome da minha cidade. O espaço era de 30 metros quadrados. Tinha um fogão de casa usado, uma geladeira de casa usada, um ar condicionado que quando ligado parecia um avião decolando. Abri as portas. Primeiro dia não entrou ninguém. No segundo dia, entrou um casal, olhou e foi embora. No terceiro dia, tive a sorte (a vida algumas vezes depende de alguma sorte) de entrar dois homens que estavam passando na calçada indo para o mercado (na frente do restaurante). Eles comeram e gostaram. Um deles me perguntou: ‘Por que você deu o nome ao restaurante de Roanne?’ Eu respondi: é minha cidade. Ele falou: ‘Olha! A gente entrou aqui no seu espaço justamente pelo nome Roanne, já estive na sua cidade. Porque eu vou lá, todo ano, no restaurante que eu adoro que se chama Troisgros’.

Naquela época, o restaurante Troisgros (da minha família) já acumulava três estrelas Michelin. Era bem conceituado no mundo inteiro, porque revolucionou a gastronomia mundial. E eu num botequim com o fogão de casa usado. Eu falei: eu conheço (mas não falei que era o filho do dono do restaurante). Ele disse: ‘Aqui está o meu cartão e eu vou lhe mandar muitos clientes’. Aí eu peguei o cartão e li; José Bonifácio de Oliveira, presidente da Globo Televisão. O outro era um dos maiores jornalistas do Brasil, Armando Nogueira.

O negócio foi o seguinte: no outro dia, tinha fila na porta. Só eu e minha esposa no salão – sem salão, porque passávamos os pratos de um pra outro. No terceiro dia, o Batista entra procurando trabalho (magrinho, com 17 anos). Eu disse a ele: Entra agora! Ele começou lavando louças, foi o meu primeiro ajudante. Estamos juntos há 38 anos. E hoje, ele é apresentador de televisão. Enfim, uma relação que não considero mais profissional, pois é meu amigo, meu irmão. Temos uma cumplicidade extraordinária. O Batista foi um achado. Basta um olhar e a gente se entende sem falar nada” 

Depois de 35 minutos, nos sentindo na sala de visitas, ouvindo o Claude, ele começa a preparar os pratos junto com ajudantes que ficaram ao lado ouvindo, esperando: eram as crianças escolhidas da plateia.


Receita do chef

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