Os três inimigos do azeite: o ar, a luz e o calor

Ana Beloto, é azeitóloga, estudiosa e degustadora de azeites. Especializou-se como sommelière de azeites na renomada IFAPA (Instituto de Investigación y Formación Agraria y Pesquera) e pela Dcoop (Cooperativa agroalimentaria de transformación), ambas na Andaluzia, Espanha. E na Universidade Federal de Química do Uruguai. Ao longo dos 17 anos de atuação, pertence ao corpo docente da Associação Brasileira de Sommelier (ABS) Minas. 

Desde 2008, o Brasil produz azeites, principalmente no sul de Minas Gerais, na região de Maria da Fé, junto com a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Epamig. O azeite produzido na Serra da Mantiqueira é considerado 65% de toda a produção nacional junto com a Serra da Bocaina, limite entre os estados de Minas Gerais e São Paulo. Os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, também são outros produtores de azeite nacional. A oliveira precisa de temperaturas bem marcantes, de calor e frio e de um solo mais árido – empobrecido, pois, trata-se de uma árvore que resiste muito ao tempo como na Grécia e na Espanha. A Espanha é, de longe, o maior produtor e exportador mundial de azeites. Os gregos consomem 22 litros de azeite ao ano, enquanto nós (brasileiros) consumimos 400 ml ao ano, os portugueses consomem 18 litros ao ano e os espanhóis 20 litros per capita/ano. 

A sommelière Ana Beloto, presente no evento Festival Cultura e Gastronomia Fartura 20 anos, realizado na cidade de Tiradentes, MG, afirmou durante sua palestra na Pousada Senac, “nós, azeitólogos, estudamos tudo sobre o azeite, todo o seu processo até a harmonização. A nossa conversa hoje, é como escolher um bom azeite. Eu iniciei a minha jornada como azeitóloga há 15 anos atrás. Foi por curiosidade, porque eu tinha que lançar uma marca de azeite e, por coincidência, foi nesse festival Fartura, aqui em Tiradentes. Vocês se lembram como consumiam azeite, há 15 anos atrás? A gente furava uma latinha”, disse.

A história 

“Há 3 mil anos AC, começaram a entender o seguinte: existia um azeite bom e um azeite ruim. O azeite bom dá pra gente consumir. Começaram fazer o azeite bom, consumir e envasar em cânforas. Pagavam os funcionários com o azeite e com o sal, por isso ‘salário’ vem de sal. A remuneração que se dava para algum trabalho era realizado por sal outrora azeite. As pessoas recebiam azeite (como pagamento) e começaram a comercializar os azeites. A primeira comercialização data de 4 mil anos AC e tudo se inicia com a oliveira que simboliza ‘Paz, União, Fartura e Prosperidade’. É a única árvore que está presente em todas as religiões – citada na Bíblia e no Alcorão. A oliveira tem versatilidade porque vive muitos anos simbolizando longevidade e união dos povos. Não é a toa que a marca da Organização das Nações Unidas (ONU), traz um ramo de oliveira como símbolo. Não é a toa que nas olimpíadas é ofertado a coroa com o ramo de oliveiras, representando união, prosperidade, esperança de um mundo melhor”, Ana lembrou.

A azeitona 

Na oliveira começa um bom azeite. A palavra azeite vem do hebraico azaite – suco de azeitona. “Para escolher um bom azeite, um princípio básico para ser levado em consideração é que estamos falando de um suco de uma fruta: a azeitona. Na Espanha existem mais de 260 tipos de azeitonas diferentes. Significa dizer que eu poderia ter 260 tipos de azeites diferentes. Na maioria das vezes desconhecemos os tipos de azeitonas e nos apegamos às marcas. Temos que começar por ver as variedades de azeitonas como uma opção e como também influencia um bom azeite”, orientou. 

“Perguntam se existem azeitonas verdes e pretas – essa dúvida é muito comum. Na verdade, a azeitona preta é a azeitona verde madura. Podemos entender porque uma azeitona preta tem a polpa mais macia, mais suculenta, assim como uma fruta madura é mais doce. A maturação da fruta vai influenciar no azeite. A azeitona preta é mais cara porque os frutos maduros são cozidos manualmente, com uma produção mais cara, com valor final mais alto. Existe um processo que acelera o amadurecimento das azeitonas verdes, através da adição de aditivos químicos e duas horas depois ela está preta – uma azeitona quimicamente tratada e amadurecida rapidamente são azeitonas mais baratas, duras, que não traz sabor amargo”, revelou.

O consumo diário de azeite

“A gente precisa consumir 20 ml por dia de azeite ou duas colheres de sopa – essa quantidade é determinada pela dieta mediterrânea – eu ando com minha garrafinha na bolsa, estou tomando meus 20 ml de azeite por dia. Temos de lembrar que o azeite é um ingrediente 100% natural – um suco de fruta – o sabor que estamos sentindo do azeite é o sabor das azeitonas”, ela ensinou.

Como escolher o azeite 

“Como escolher um bom azeite? Qual tipo de azeite devo consumir? Existem azeites extravirgem, azeites virgens, azeites de oliva. Tudo começa com a colheita, uma colheita bem feita teremos azeitonas mais saudáveis. Eu escolho azeite pela acidez, tá certo isso? É sim, um parâmetro de qualidade. É sim, um critério de escolha mas, não deve ser o primeiro e o mais importante. Porque a acidez demonstra como estavam saudáveis as azeitonas quando elas foram colhidas. Se as azeitonas estão muito saudáveis terão baixa oxidação. Essa baixa oxidação vai me dar um azeite melhor, de azeitonas mais saudáveis. O azeite pode ser refinado. Quando ocorre o refino do azeite é retirado a cor, o sabor e o aroma; e o azeite vira na verdade uma base que aceita tudo inclusive uma acidez baixa – então, não podemos usar o parâmetro da acidez num refino de azeite”, destaca, e completa, “temos a maceração de polpa e caroço da fruta até a prensagem e a decantação, que é separação da a água e o óleo – esse óleo nada mais é do que o azeite de oliva extravirgem. A maceração pode ser feita de duas maneiras: filtrado (um coador), se ele não for filtrado, encontraremos partículas de azeitonas. Sendo um azeite filtrado pode ser feito com um só tipo de azeitona ou com vários tipos de azeitonas, dessa forma temos um blend”. 

Onde usar azeite 

Ana dá opções de uso com azeite, “podemos fazer salada de frutas e doces, é possível versatilizar. Eu uso salada de frutas em conserva. A base da salada de frutas é mamão. E porque mamão? Pra gente entender que podemos usar (numa refeição) de entrada, pão com azeite, até o final com a sobremesa. A mousse de chocolate feita com azeite na massa, substitui duas colheres de sopa de manteiga, colocando uma colher de sopa de azeite – isso vale pra qualquer receita como bolos, tortas, mousse. Qualquer bom azeite pode substituir a manteiga, a escolha para usar em sua receita vai ser por um sabor mais suave. Podemos cozinhar com azeite porque se trata de um óleo que não vai perder as propriedades, vai ser preservado o sabor do azeite (da sua preferência) – é um mito dizer que eu não posso fritar com azeite de oliva.  Usando um tipo só de azeitona, por exemplo a arbequina, vocês vão encontrar nas garrafas a discriminação da azeitona assim como, os vinhos trazem o nome das uvas – os azeites devem trazer o nome da variedade de azeitona. Ainda podemos extrapolar sabores porque, se eu quiser um pouco mais amargo eu posso utilizar um outro tipo de azeite. Numa análise sensorial de azeites percebemos que tem diferentes cores, sabores, odores, e, isso vai influenciar na escolha de um bom azeite”, acrescentou. 

Dica de ouro 

“Azeites que começam oxidar são mal conservados e trazem uma qualidade inferior. Existem dois tipos de azeites com essências (sabores), através de infusão (de ervas por exemplo) ou azeites aromatizados de limão, de alecrim. Qual é a diferença? Os azeites aromatizados utilizam a base com azeite refinado, geralmente as ervas vem junto porque como ele já está com a base neutra, não vai oxidar. Por infusão, geralmente, é um azeite extravirgem, de excelente qualidade, porém, com a essência de limão, com essência de trufas, de manjericão. Fiquem atentos, se forem comprar azeites aromatizados ou com infusão de algo. Por infusão, terei o sabor de limão e todos os benefícios de um azeite extravirgem”, Ana citou. 

Verdades sobre o azeite

A sommelière realça diversas questões começando pela coloração do azeite: “Não devemos consumir ou comprar o azeite pelo critério da cor, porque a cor identifica o início ou o final da colheita – azeitonas mais verdes terão mais clorofila. Azeites mais amarelados são azeites do final da colheita (frutos mais maduros). Não devemos levar isso em consideração porque uma colheita que dura seis meses, existe a mistura de um azeite com frutos colhidos inicialmente com o do final de safra – resultando em harmonia de sabores”. 

Os tipos e cores dos vasilhames, “existem três inimigos do azeite: o ar, a luz e o calor. O vidro escuro é pra blindar o azeite da luz. Devemos guardar o azeite refrigerado porque a partir de 18º dia, após aberto, ele começa perder as propriedades, vai condensar um pouco na geladeira – em cidades muito frias não é necessário. O ar é o inimigo do azeite, portanto devemos deixar o vidro bem vedado. Fiquem atentos porque estamos com uma nova legislação brasileira que determina que os bicos dos vidros de azeite devem ser semelhantes aos de bebidas alcoólicas destiladas (que não pode ser enchido) – porque temos um mercado de fraudes de azeite. As garrafas de vidro ou porcelanas são perfeitos para a conservação. A lata tem a vedação da luz mas não do ar”, detalhou.

Produção, origem e a procedência

Ana também falou sobre validade do azeite, “uma vez aberto, dura de dois a três meses, mesmo conservando em geladeira vai perdendo o aroma. Azeite para fritura é o extravirgem. A diferença do virgem e extravirgem no cozimento não é o ponto de fritura pois, todos vão conseguir atingir até 210º, a opção é mais sabor de azeite ou menos sabor de azeite. Quanto mais rápido o consumo melhor, porque o ar também vai oxidar mais rápido o azeite. Azeite da colheita do primeiro dia: é um azeite com mais clorofila, com sabor mais intenso. É usado para festejarem a colheita, um azeite simbólico. No processo industrial, todo azeite é prensado a 27º, esse é o grande impasse no mundo do azeite (27º é frio? é morno? é quente?). São prensados com 27º porque, essa temperatura é ideal para o óleo ser expulso. Algumas empresas espanholas conseguem fazer a 17º, com resfriamento desde a tubulação por onde o óleo vai passar, até a prensa e o envase, o que encarece chegando a R$ 250,00 a garrafa de meio litro. Também acontece da data de envase e data de produção não bater com a data do envase, é bom fiscalizar e comprar os azeite que tem essa informação. Quando a empresa é boa ela quer informar. O bom azeite tem que ter ardência e picância, desconfie de azeites que não tem essa característica. O amargo está mais ligado à variedade do que ao processo”, frisou.

Para escolher um azeite envasado em vidro escuro, e se isso garante uma boa acidez, Ana orienta conhecer a origem e procedência do produto assim, como os vinhos informam onde foi produzido e como foi feito, sua a origem e procedência. Segundo ela, “os azeites fraudados imprimem indústria brasileira ou indústria portuguesa, ou embalado na Espanha. Ou seja, nunca vão disponibilizar onde foi produzido, a origem e procedência. É esse o critério principal para a escolha de um bom azeite, a origem e a procedência. Ele tem que ser produzido e embalado na origem, certificado pelo órgão do país de origem. Duvidem também de azeites muito baratos porque, precisamos de uma média de 5kg de azeitonas para produzir um litro de azeite. Verifiquem a data de validade pois, estamos falando de um suco de frutas então, quanto mais fresco melhor. A acidez é o último critério para se considerar na escolha do azeite”, finalizou.

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